domingo, 28 de junho de 2009

1984 e a derrota da verdade

A propósito de leis de memória histórica, campanhas políticas, políticas de verdade, estudos da OCDE, 150.000 empregos, PTs e TVIs, etc, publico um pequeno excerto de um artigo de Alfredo Cruz, na Nuestro Tiempo de Maio/Junho 2009

“O perigo que corre quem afirme tais coisas não consiste em que as suas informações possam ser discutidas, nem sequer que após essa discussão acabem por ser refutadas.
O perigo está em que nem sequer se admite começar a discuti-las. E não admitir a discussão implica não admitir, de antemão, que algo se venha a descobrir como verdadeiro. Por outras palavras, significa ter feito da questão da diferença entre o verdadeiro e o falso, uma questão posterior e dependente da posição adoptada pela nossa vontade. Quando, de nenhum modo, queremos que a realidade seja outra do que aquela que nos agrada, não damos à razão a menor oportunidade de nos contradizer.


A mera afirmação de determinadas coisas, a simples proposta de abrir o debate sobre alguns lugares comuns, é um delito que acarreta para quem o comete a mais completa e unânime desclassificação. A ousadia de introduzir certas ideias no discurso público, só se responde com denegrições e gestos de “afectada” indignação, que não têm outro objectivo que não seja o de atemorizar e dissuadir a potenciais insurrectos. Porque o poder que, acima de tudo, aspira a perpetuar-se, sabe perfeitamente que é um perigoso desafio à sua possível permanência que seja forçada a entrar na questão de que se aquilo ao qual apela, aquilo no qual fundamenta as suas decisões, é verdade ou não, é real ou fictício.

(…)
Não é que o poder crie a verdade -como pretende o Partido no romance de Orwell-, mas sim que pode desinteressar-se desta tarefa totalitária porque, simplesmente, o facto de que algo seja verdadeiro ou falso perdeu todo o interesse, o que abre uma via mais cómoda rumo ao totalitarismo.

“Quem controla o passado, controla o futuro”, diz-nos o slogan do Partido. Esta é a forma de despotismo que mais aterroriza o protagonista. “Se o Partido pode chegar com a sua mão até ao passado e dizer que este ou aquele acontecimento nunca teria acontecido, isso seria mais horrível do que a tortura ou a morte.” Talvez poucas coisas se possam considerar mais actuais do que esta. O que diria Orwell acerca de um poder, supostamente democrático, que se arroga a função de estabelecer por lei a verdade sobre o passado? Que podemos temer quando assistimos ao combate tenaz por controlar o passado, por parte de ideologias políticas às quais, no fundo e enquanto tais, só lhes pode interessar o futuro? O que controla o passado controla o futuro…”


* O autor faz uma referência bastante clara à Lei de Memória História recentemente aprovada em Espanha. A propósito deste tema ler isto.

Sem comentários:

Enviar um comentário